domingo, 23 de maio de 2010

Dry

- Enche.
- Você não devia...Depois daquilo....
- Enche porra.
Observei aquele fluxo transparente, e ao mesmo tempo cheio de cor para ele, cair direto para o copo. Não fazia alarde, só queria manter o copo como uma antítese da vida. Entornou o primeiro gole, ouviu o golpe no estômago e como um relâmpago eriçou-se por completo. Mal tomava o segundo gole já pedia para completar novamente. Sentiu a boca amortecer. Sentiu a fúria nunca exprimida espairecer. Melhor assim, pensava ele.
Começou a tocar aquela música. Justamente aquela. Sempre relacionado com aquela música. As mãos começaram a tremer e observou todos ao seu redor. Fixou o olhar num ponto onde não havia ninguém e balbuciou algumas palavras.
Sentiu um gosto amargo na boca, sabor que já sentira diversas vezes. Esvaziou o copo num só gole, largou o dinheiro não contado e foi-se embora.
O desprezo e o desespero gladiavam-se dentro dele. A passos largos andava pelas ruas iluminadas, não por segurança, mas por querer ver sua sombra. Gostava de vê-la deformando-se ao longo da rua, e sabia que ela tinha muito mais a dizer sobre si do que ele próprio.
Encontrou uma prostituta.
- Qual o seu nome? Não me interessa mais nada.
- Marguerite.
Despiu-a, já no quarto, aproximou-se do seu ventre nu, afundou a face e chorou. Chorou abundantemente. As lágrimas escorriam pelo corpo da prostituta, delineando seu corpo, deixando rastros e desembocando internamente nela. Isso causou na prostituta um prazer enorme, dando-lhe um gozo intenso.
- Choras por alguém que foi?
- Choro por alguém que está.
- Quem?
- Eu.
Olhou ao redor e viu porta retratos. Todos sem fotos. Várias molduras sem pintura. Vários espelhos sem reflexo. Levantou-se. Ele viu-a ir embora. Ela olhou para a janela e acenou com a cabeça, subiu na borda do viaduto que circundava o prédio e jogou-se. Ele apagou a luz, deitou-se e dormiu.

2 comentários: