segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Plantei uma árvore, escrevi umas linhas e não terei filhos

Piazinho era como o chamavam. Mesmo com a altura e o peso. Mesmo com o bigode e os pentelhos. Garoto tímido. Garoto bobo. Sempre a caminhar de cabeça baixa, não prestava atenção aos risinhos, ao escárnio. Mentira. Não se deixe enganar, o semblante aéreo esconde signos de terra. Levanta essa cabeça. Lordose. Tinha aprendido essa palavra na aula, mas não sabia muito bem do que se tratava, problema de coluna, basta. A cabeça lhe pesava – o peso da dúvida – os ombros arqueavam. Corcunda. Tinha lido essa palavra em algum livro da biblioteca cheia de livros da coleção vaga-lume.

Era um garoto bobo, não se esqueçam. Não, ele não se afundava em livros eassimescapavadarealidadequelheapareciaclichêcruel. Ele gostava de sentir na carne. Queria ser mártir. Do que? Fora educado a ser sozinho: ganhou o Mega Drive com um controle somente; ganhou uma raquete de tênis com uma bolinha que jogava contra a parede do quarto do vizinho; ganhou a bicicleta quando a moda era roller. Sempre quis um cachorro, pedia cotidianamente por um cachorro. É pequeno demais. A cabeça ele pensava. Quando enfim conseguiu o cachorro, já gordo, não soube lidar com a situação de ter um ser dependente e o deixou ao deus dará. Piazinho gostava de seres independentes, os admirava. Fitava com admiração as meninas que na sétima série pegavam sozinhas o busão para ir ao shopping. Aquele lá longe, aquele depois de duas estações, desce pela porta da esquerda e anda uma quadra pela avenida.

Por essa época resolveu gostar da menina loira da sala. Ela disse que também gostava dele. Começaram a namorar. Garoto bobo. Piazinho + namoro = dar beijo no rosto. Tiveram que escrever uma redação intitulada “Se eu fosse um objeto, eu seria...” e escreveu que queria ser um gibi. Fora chamado a frente pela professora e percebeu que já passou da hora de meninos da sua idade lerem gibis e que deveria se espalhar no V. – vulgo o menino de jaqueta de couro e moto se fosse nos anos 50 ou o menino que sempre roubava pão na casa do João “quem eu sim você eu não então quem foi foi o V. foi o V.” – que escreveu que gostaria de ser uma camisinha. Piazinho saiu com a cabeça ainda mais baixa que normalmente perguntando o que deveria de ser o raio da camisinha. A menina loira se cansou de Piazinho rapidamente. Ela pediu um selinho e Piazinho não sabia o que fazer. Acabou por aí. Não soube o que se passava e não conhecendo metáforas achou que a melhor solução era escrever o nome da menina loira com carvão na parede em cima do tanque da casa dos avós.

Piazinho acabou se cansando. Principalmente de ser chamado de Piazinho. Queria ser Piá. Revoltou, fumou, bebeu, fumou, beijou uns caras aí, leu Nietzsche, beijou mais caras aí, descobriu a nouvelle-vague. De tudo Piazinho gostou. Mas ainda assim algo não mudou. Ser Piá era se libertar, mas quem se liberta de amarras prazerosas. Começou a se apresentar como Piá, mas Piazinho sempre será. E quem disse que não se sabe disso?

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